20 junho 2007

[o que prendo em meu coração]



Quando uma música é classificada como latina, a primeira imagem que me vem à cabeça é a Conga, da Glória Stefan, dizendo que você não consegue se controlar. Ou, mais recente, do latin-generic do Capim Cubano, com sua pose metrossexual e seu som caribenho-nordestino.

Entretanto, depois de Buena Vista Social Club, sei que existe bem mais que salsa e merengue nesse bolo e que, da ilha de onde saiu Ibrahim Ferrer, o som latino vai além dos estereótipos. Daí, pensar em toda a nossa miscigenação musical aliada à latinidad cubana é pensar em um som que, mesmo que não revolucione, passa um frescor de inteligência que arrebata.

Esse frescor vem da música de Marina de La Riva. Filha de uma mineira e de um cubano exilado no Brasil, a brasileira relutou em alçar-se à carreira, mas, ao fazê-lo, conseguiu reunir com talento impecável o charme cadente da música latina com um sopro de brasilidade.

Seja nas participações especiais, do gabarito de Dom Chico Buarque, em “Ojos Malignos”, e Davi Moraes, no frevo-samba-bolero-bossa “Ta-hí (pra você gostar de mim)” ou no belíssimo forró/tango (?) "Maria Fulô/ La mulata chancletera", que nos avisa que “chorar não ajuda ninguém”, seja no espírito cubano sincero de “Te amaré e después”, Marina é mais que outras das belas vozes femininas que vem tomando de conta da cena musical brasileira.

Com músicas em português e espanhol, a cantora quis fazer uma conexão entre os clássicos cubanos e a bossa nova. Em suas entrevistas, Marina fala que a inspiração para o CD veio do mar, o que provavelmente pode ser explicado pela sensação de tranqüilidade que se tem ao ouvir sua voz.

Porque, apesar de estar dentro dessa dita nova safra de vozes femininas, Marina de La Riva flerta com a inovação sem distorcê-la, juntando os tempos musicais brasileiro e cubano sem apelar para novidades sem caráter inovador, método por muitos usado sob justificativa de se estar fazendo algo diferente.

O som de Marina não é novo, sob a ótica de construir um outro estilo musical. Entretanto, é novo em relação à sua humildade ao cantar, numa levada tranqüila e sensível de voz, com instrumentação limpa e bem trabalhada, na qual todos os instrumentos têm o seu valor levado em consideração, mas a voz é quem os comanda. Diferente da pretensão de muitas cantoras que levantam bandeiras mpbistas.

Além do mérito musical, cabe um elogio ao trabalho primoroso dado ao encarte, suficientemente bem feito para que a idéia da compra de cópias piratas passe longe. Com fotos da bela cantora e as letras das músicas, ele vem de bônus nesse ótimo trabalho inicial de Marina de La Riva, que toma a frase do poeta José Martí, mártir da independência cubana, em sua apresentação dizendo que com esse disco “Yo sacaré lo que em el pecho tengo...”

17 junho 2007

[e se eu acreditasse?]


Eu, realmente, não me dou bem com a fé católica. Sua doutrina de promover o sofrimento como forma de elevação de espírito sempre esbarrou na minha incontinência carpedieana, moldada à ferro durante toda a minha infância de temores ao tridente de satã.

Por isso, desde que soube que ia cobrir a Caminhada da Fraternidade, uma espécie de micareta do senhor que acontece há 12 anos (acho) em Teresina, fiquei com pé atrás. Como escrever sobre algo tão enraizadamente católico se ainda hoje o paradoxo da minha fé me impede de ser 100% livre?

O lance de imparcialidade é balela, já que a minha predisposição era de achar ruim, se não o evento o fato de ele louvar uma fé que me sufoca. Some isso à minha ressaca habitual pós-sábado e a minha completa ojeriza à necessidade de trabalhar-se no domingo e você percebe o quanto eu parecia feliz.

Mas... não sei se o clima fundindo a cuca ou a evaporação do álcool causando um efeito inverso, o fato é que eu comecei a ver que, muito mais que um simples ato de fé católica, a caminhada conseguia ter um viés mais ecumênico.

E dele, a capacidade de ir além das palavras sem sentido prático dos sermões aparecia e a gente começava a perceber a necessidade que muitas daquelas pessoas tinham de se dizer conectadas aos seus deuses por meio daquele esforço.

É mais que ser católico, evangélico ou qualquer coisa. A fé deles perpassa a explicação, que eles mesmos não buscam, em um ópio litúrgico que ao mesmo tempo em que me assustava me fascinava.

Eram mãos levantadas com olhos fechados, idosas bem idosas caminhando os 7.6km sem pestanejar, até jovens que pareciam realmente ter acordado na vontade estar ali. Fiquei pensando no quanto a gente precisa se apegar em algo para sentir uma verdade que não existe.

Sabe... não precisar perguntar-se "de onde eu vim?", "pra onde eu vou?", "tem lugar na janela?"... Simplesmente pegar a resposta feita e dividí-la por todas as dúvidas que venham a surgir além dela, maximizando o poder da fé como algo que transcende o acalento do pecador.

Porque a subjetividade do pecado é tão caleidoscópica que me dá muita raiva pensar que pequenas estripulias do meu irmão podem ser consideradas como tal e, com isso, criar nele uma dúvida que ele pode levar pra toda a vida.

Ou que meus desejos mais internos sejam considerados passagem sem volta pro lado do tinhoso, mesmo eu sabendo que não estou fazendo mal algum. Enfim... essa discussão é eterna.

Meu lamento era pensar no quanto essas pessoas não pensam (!). No quanto elas relegam poder total aos desígnios da fé, como se as montanhas removidas fossem verdadeiras e que a ressurreição é o que mais faz de Jesus um cara digno de levar a alcunha de salvador.

[Pausa para a digressão: por que não pensar que o seu Jesus era "o" cara mesmo pelas coisas que pregou e não pelo vinho que fez surgir? Palavra fica... bem mais que fazer alguém andar, o cara fazia muitos escutarem. Acho que a gente deve se ligar mais no homem e menos no deus]

"Triste é pensar demais. Não é dom, dádiva ou vocação. É castigo. É destempero. É morrer um pouco a cada dia por não ter lugar para repousar a alma", já diria uma sábia do norte.

Vai ver é isso. Para que pensar se eu posso fazer uma longa caminhada na qual eu ficarei mentalizando que tudo o que eu fiz de ruim (?) vai embora? Não pensar é ter fé que o mundo se azeita sozinho...


11 junho 2007

[um não sei bem o que]


A gente fala muito das mazelas do jornalismo, da falta de apuro que muitos de nós temos em relação às matérias, da nossa preguiça em ouvir todos os lados e de condicionadores de ar inexistentes, que bloqueiam nosso pensamento no que colocar de bom para o leitor/ espectador.


Mas, de vez em quando, parece que o savoir faire jornalístico sai de dentro das redações e é quando conseguimos perceber que, muito menos que um número estatístico, como disse uma vez o repórter Nelson Blecher, o leitor/ espectador sabe que é dele que partem as notícias e a ele, como parte de toda uma sociedade, é que o jornal serve.


Bom, mas essa eloqüência toda é pra quê? Há duas semanas atrás, numa sexta-feira, o pior dos dias para se fazer matéria, um barulho infernal de buzinas tomou conta da redação. Nesses tempos de terrorismo, a gente pensa logo nem atentado, osama e coisa e tal. Bom, não eram terroristas, mas era um atentado.


Na madrugada anterior, um mototaxista havia sido assassinado, com dois tiros nas costas. As buzinas eram das motos de seus companheiros, que exigiam um tempo no programa Ronda para relatarem sua revolta com a falta de segurança para o trabalho deles.


A questão aqui não é discutir méritos jornalísticos do programa. Sei muito bem a que tipo de informação ele se preza e, principalmente, que ele tem muito pouco do que a gente deduz ser jornalismo (Pra quem não conhece, digamos que se o programa fosse espremido, sairia sangue e mais um bando de coisas).


O mérito fica por conta da percepção que esses mototaxistas tiveram do poder da imagem perante àqueles que deveriam cuidar dessa suposta segurança deles. Ali, durante o programa, o de maior audiência do estado, eles poderiam se fazer ouvir e o fizeram, de forma extrema.

Além do buzinaço, as trocentas motos e a revolta que por si só já detinha combustão espontânea, o corpo do mototaxista morto, com terno de madeira, terno de pano, algodão no nariz e braços cruzados foi velado na entrada do Sistema Meio Norte de Comunicação.


Claro que o Beto Rego, apresentador do programa, se refestelou, usando e abusando de imagens do corpo, gritando para as autoridades perceberem o quanto aquilo era um disparate, enquanto a mãe do morto pedia um abraço ao palhaço Chupetinha, uma espécie de bobo da corte que causa riso através da pena que causa.


Mas eu fiquei deslumbrado por perceber que, realmente, por mais viciado, partidário, mal acabado e jovem, ainda tem pessoas que acreditam que o jornalismo piauiense possa servir de algum modo. E se pareço utópico, não é porque ainda estou na academia e faço texto estudantil.


É porque, simplesmente, foi isso que eu senti. E foi bom...

10 junho 2007

[o que é ter um computador?]

ter um computador não é só ter uma ferramenta que vai fazer seus trabalhos universitários serem bem mais cheios de beleza que o normal. não é só uma questão de você conseguir ter uma tarde de domingo com morgação virtual nem mesmo só um jeito de você manter-se antenado de todos os lançamentos indies ou dos vídeos mais bizarros do youtube.

ter um computador é poder sair para almoçar e deixar a trilha de pulp fiction baixando ao mesmo tempo que você coloca no msn que você está out to lunch e todo mundo sabe que você deixou o pc ligado enquando ia se refastelar de calorias. é poder finalmente ter a noção do quanto de fotos você guardou no seu e-mail e, com elas, montar um álbum legal no orkut, outra coisinha que é muito usada quando se tem um computador.

é também aprender sobre o que você jurava que sabia quando mexia em computadores alheios. por exemplo, como fazer que a música que você escuta apareça no msn (ainda não aprendi, mas tô tentando). ou que certos filmes só poder ser vistos com certos codecs e que o rapid share é uma coisa linda de deus.

ter computador, pra mim, é realizar um desejo de 15 anos, passados em pc's dos outros. e isso é dimar de bom!

06 junho 2007

[running]

Um garoto de 14 anos que namora um esquizofrênico de 35, vive na casa do psicanalista da mãe que sofre de um bloqueio criativo eterno e que tem de agüentar as pseudo-freudianidades desse novo pai adotivo e a crescente insanidade da tal mãe que ele ama.

À primeira olhada, eu pensei que ia rir muito de Running with Scissors. Um amigo havia baixado esse filme, do nada, e resolvi assisti-lo. Mas, mesmo com algumas risadas, não foi isso que ficou. Sabe aqueles filmes que você não sabe se gosta ou desgosta, apenas fica com a sensação que ele te deixou algo de bom?

Pois é esse. Augusten (Joseph Cross) tem uma mãe atormentada por imaginar que tudo na sua vida é motivo para que seu bloqueio como escritora aconteça. Depois de começar a se consultar com o Dr. Finch (Brian Cox), um psicanalista tão louco como seus pacientes, Deirdre (Annete Benning), mãe de Augusten, começa a adentrar no “maravilhoso” mundo do Valium e resolve dar sua guarda para o médico e a própria para o mundo lésbico.

Na casa dos Finch, uma esposa empregada (Jill Clayburgh), vivendo da réstia que sobrou da ilusão que ela tem uma família, uma filha (Gwyneth Paltrow) empacada na esperança de ir mais longe ao seu inconsciente, mas conseguindo apenas matar animais e pessoas de raiva, outra que resolve ser crazy-bitch (Evan Rachel Wood), porque não lhe resta alternativa e mais um filho adotivo (Joseph Fiennes), que houve vozes, transa com um adolescente, acha que tudo na sua vida deveria ser de outro jeito e que a culpa disso não acontecer é do doutor.

A vida de Augusten é completamente diferente da minha. Mas suas mazelas psicológicas são tão naturais, tão próximas da realidade de tantas pessoas, inclusive da minha, que a própria identificação de para que esse filme existe me foge, como se eu precisasse olhar mais intensamente pra dentro de mim e assim conseguir perceber até onde ele chega e me faz estar perto de suas semelhanças e aprender com suas diferenças.

Ele deixa um questionamento que me fez pensar. Será que realmente desejamos toda a liberdade que achamos ser de direito? Será que, no fundo, eu não queria um pouco da minha mãe do meu lado, me ligando de madrugada só pra saber que horas eu volto porque assim o sono dela é mais tranqüilo?

Será que quando eu alugo um amigo madrugada adentro eu não só quero alguém que cuide de mim, me diga o que fazer, já que essa minha vida de fazer (praticamente) o que eu quiser não é tão fantástica quanto parece?

Há que se concordar que a vida precisa de certos limites. A maioria deles vem naturalmente, como, por exemplo, quando percebemos que sair todos os dias pode não ser tão legal quanto escolher bem sua saída e se divertir com mais intensidade numa mesma noite. Tem gente que não os percebe. Têm outros que não os acham importantes. Mas todo mundo chega num ponto que acha alguém para perceber que precisa de uma ou outra ordem superior, meio que guia.

É certo que eu detesto ser doutrinado. Todas as minhas brigas com meu melhor amigo foram motivadas pela necessidade dele em me transformar no que ele achava que era certo, quando ele mesmo jamais permitiria ser mudado. Mas limites não precisam ser sinônimos de doutrinas.

É meio quando você tem uma dúvida e uma vozinha fica na sua cabeça dizendo o que deve ser feito. Sempre eu faço o contrário e me fodo, mas pelo menos é nessa hora que eu acho que existe intervenção divina e alguma coisa maior que a gente pode estar tentando nos dizer o que é o melhor a ser feito.

O certo é que Augusten não teve limites e sim precisou limitar. E quando se tem a idade dele, fazer isso é traumático, porque você nunca sabe, realmente, aonde pode chegar.
Para não estragar quem for assisti-lo, só digo que a nem sempre as coisas se resolvem da maneira a manter tudo parecido. Às vezes, somente boas guinadas fazem com que a gente perceba o quanto nossa vida é uma merda e, somente (de novo) nós podemos dar jeito nisso.