05 julho 2007

[estrela solitária]


Minha relação com o futebol se deu em três instâncias básicas: a infância de certeza que eu era um perna de pau, a adolescência de percepção que nem para torcedor eu nasci e a idade adulta para constatar que ver seus amigos sofrendo durante um jogo por algo que você é indiferente pode ser extremamente engraçado e divertido, principalmente quando acompanhado de cerveja.

Já envolvendo biografias, eu sempre fui fascinado por elas. A certeza de que minha leitura é sobre algo que realmente aconteceu deixa com que minha mente avance na possibilidade de que minha vida seja, senão tão interessante quanto a dos biografados, pelo menos com a idéia de que as coisas podem sim vir a serem dignas de livro para mim.

Bem, como já é de praxe, eu sempre começo textos embromando para chegar ao assunto principal. No caso daqui, o assunto é a biografia “Estrela Solitária: um brasileiro chamado Garrinha”. Escrita por Ruy Castro, um biógrafo já consagrado, que fez livros da vida de Carmem Miranda e Nelson Rodrigues, o livro é a personificação daquela história de ascensão, apogeu e queda.

[digressão do dia: aprendi o que eram essas três palavras lendo quadrinhos da Turma da Mônica, quando o Cebolinha bola um plano quando aprende sobre essas palavras e diz que essa será a queda da dentuça. Bem, vocês imaginam o que aconteceu no fim, certo?]

Garrincha foi, de verdade, o deus da bola que todo mundo se acostumou a ouvir, nos saudosismos futebolísticos que são característica dos brasileiros. Durante todo o livro, Castro tenta nos passar (de forma bem passada, diga-se) a idéia de que Garrinha sempre jogou por prazer, não mais que isso. Dinheiro, fama, gols? Quem se importa?

O lance era mesmo poder brincar com a bola, fazê-la passear por seus pé e, num tilintar de olhos seguido de um espasmo de suas pernas tortas, mandar um adversário ao chão, se perguntando como algúem com os membros inferiores tão deformados (sim, essa é a palavra que o autor usa) possa ter tanto domínio do esporte.

Garrincha adorava tanto estar com a bola no pé que teve de ser educado para que tentasse enxergar que o objetivo era fazer gols e não fazer zagueiros comerem grama. Mas, se tem algo que ele jamais entendeu na vida era a necessidade de ser responsável, seja fazendo seu time vencer, seja com seu problema maior, o alcoolismo: foram inúmeras as tentativas de levar Garrinha a estudar, a treinar, a fazer tratamentos ou a qualquer coisa de que ele não tivesse vontade. Ele só fazia o que dava na telha.

Essa dificuldade em que ele fizesse o que era preciso sempre esbarrava no seu jeito moleque, de sorriso largo e fácil, de forma que todas as brigas eram contidas em sua ingenuidade. Qualquer pessoa perdoava Garrincha, desde técnicos que ele desfalcava à esposas que ele traia. E, se o quesito é mulher, traição era necessidade.

O homem era viciado em sexo. Todos os relatos do livro falam sobre a sua potência sexual, do seu nunca cansar e do tal membro bem maior que a média que ele possuia. Garrinha transava muito e sempre e todas as mulheres que teve conseguiu satisfazer mais que os outros. Não é à toa seu número oficial de filhos ser 14, mas sempre em dúvida pra mais, dado seu histórico.

Tudo parecia flor na vida do craque, sendo a metade inicial do livro somente de festa e alegria, na transformação do mito que o define. Daí em diante, esqueçam momentos felizes. A vida de Garrinha descarrilou de uma forma que você fica pedindo para que o livro acabe logo, tamanha angústia que se dá. O homem perde casa, perde dinheiro, perde filho, perde carro, perde jogo, perde até as pernas, que por conta do joelho, ficam, como dizer, podres.

Na época do apogeu, já chegando no declínio, entra na vida de Garrincha a mulher que, na minha opinião, merecia uma biografia tanto quanto ele: Elza Soares. Cara... Eu não fazia idéia do quanto a expressão “comeu o pão que o diabo amassou” poderia ser tão verdadeira. A mulher foi estuprada, apanhou, teve uma pá de filho, mas aí descobriu que sabia cantar, fez um escarcéu com sua voz e tornou-se diva.

Isso tudo transando freneticamente com Garrincha. Ele e Elza faziam da cama o cômodo principal da casa, ao ponto de vizinhos sentirem-se incomodados, perguntando-se como seria normal duas pessoas fazerem tanto sexo. A relação dos dois era baseada no carinho que Garrincha dava à Elza e a força que esta via em nele, sempre percebendo que ele tinha potencial para ir além. As frustadas tentativas de Elza em dar aulas à Garrincha davam uma certa medida de como ela cria nele.

Suas montanhas russas financeiras, tendo elas perdido três casas, vários carros e muito dinheiro nessa coisa toda, jamais foi motivo de tirarem o bom humor. A única coisa que realmente os afastou, sem a percepção de nenhum dos dois para a gravidade do problema, foi a bebida. Garrincha era, literalmente, um pé de cana. Bebia muito e pinga ou conhaque, nada de cerveja. Sua decorrada na segunda metade do livro é quase toda decorrente dessa doença que, à época, não foi vista como tal.

Falando mais de Ruy Castro, sua prosa é, no mínimo, excelente. Tem uma fluidez legal e, se acaso me senti tentado a deixar o livro sem terminar não foi por outra coisa senão a vida terrível que Garrincha levou depois de sua ascensão e seu apogeu. A queda não foi brusca, mas foi de tal modo intensa que tudo na vida do jogador se desfez ao mesmo tempo em que seu futebol ficava relegado ao passado.

Uma vida trágica, forte e, sem dúvida, com vários espetáculos. Digna de uma placa.

8 comentários:

Anônimo disse...

eu gosto de biografias pelo mesmo motivo que vc.

Flávio Meireles disse...

Adoro biografias e amo futebol... Será que precisa dizer que eu gostei do livro? Ainda mais quando se sabe que foi o Ruy Castro quem escreveu...

Só discordo de uma coisa, meu caro Rafael. Não sei desde quando e muito menos sei o porquê, mas meu santo não bate com a da tal Elza Soares... Como diria o bom e velhor Marco Aurélio - que ontem estava a fim de experiências novas no Mercearia -, ela é ... sebosa!

Beijinho, beijinho, tchau, tchau!

photographie disse...

ih, já comprei a bicicleta!
é bem a situação que vem depois da escolha...
e é justamente por ser depois que a gente pode olhar pra trás e compreender que a liberdade é mesmo um mito (a gente determina bem menos do que parece a nossa vida).

photographie disse...

adorei o texto!
e descobri que faço parte do seu time!
hehe!

Lucy, disse...

eu gosto de biografias,mas elas me fazem lembrar o quanto minha vida é ordinária!:|

=D


;*

Anônimo disse...

Adorei esse livro! Como fui educada no meio de fanáticos por futebol (e botafoguenses..sendo eu a unica Flu)não pude evitar a leitura ;).

Sou fascinada por biografias, meu livro preferido (se é que tenho um) é "Eu, Malika Oufkir, prisioneira do Rei", uma biografia incrivel!

Acabei de ler "Meu nome não é Joohnny" e "Maysa" (amo biografias). Muito bons!

Tu já leu "Quase Tudo"?

Rum..To falando demais :)

beijos

P.S:. Gosto dos teus textos, o do ônibus não existe! :P

maria clara disse...

meu deus!
eu li esse mesmo gibi!
e também foi assim que eu aprendi o que era ascensão, apogeu e queda...
eles explicaram usando uma pedrinha como exemplo...

que lindo, cara...
=)

Anônimo disse...

Até entendo o teu lance com as biografias. Realmente ler sobre uma vida interessante, e real, pode dar um 'tesão' à leitura. Constatar que aquilo não é imaginação de alguém e que por mais surpreendente que pareça aconteceu mesmo, é ótimo...

Apesar disso, meu pouco gosto pelas biografias, que advém muito das poucas que eu li, continua. Principalmente pelo fato de que, se a biografia pode ti expor situações surpreendentemente reais e interessantes, ela também pode pode enveredar por situações chatas, que mesmo o sendo, foram importantes para o biografado e por isso não podem ser omitidas. Então, há duas faces, certo? Mas esse não é meu único 'fator
contra' as biografias..

Quanto à futebol, não entendo nada. Mas a vida do garrincha, como tu relatou brevemente, pareceu bem atrativa :)

bjo