21 fevereiro 2008

[back to the past]

[há mais ou menos um mês eu tive a idéia de fazer uma matéria na qual voltaria ao ensino médio disfarçado, para sacar qual é a da adolescência de hoje. O resultado saiu hoje no caderno For Teens, mas aqui tem o texto inteiro, antes da edição necessária ao jornal]
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Quando eu me vi todo fardado, me posicionei no quarto de forma a ficar refletido no espelho do banheiro e no do guarda-roupa. Uma sensação meio "O médico e o monstro" tomou conta e, em um, eu via um Rafael amedrontado, querendo desistir da idéia maluca de aparentar ser um adolescente e no outro, aquele cara que nunca esteve tão empolgado em fazer uma matéria.
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Quando desci as escadas, não era nem Dr. Jekyll nem Mr. Hyde: decidi que o melhor era ser eu mesmo, com essa cara de 23 anos que eu penso que aparenta menos e tentar saber qual a sensação de voltar ao Ensino Médio depois de seis anos em que eu saí dele. E, antes de mais palavras: foi a sensação mais maluca que já havia sentido.

Esperando o ônibus para meu primeiro dia, uma prova de que eu realmente estava com o espírito teen: ganhei uma carona e conheci minha primeira colega de escola. A história sobre meu "back to the past" estava na ponta da língua: eu havia parado de estudar por um ano e meio e agora voltava ao batente para recuperar o tempo perdido. Com isso, poderia segurar minha presença numa sala cheia de adolescentes.

A primeira decisão foi escolher o local de sentar. Fui para o fundão, esse lugar que os professores pensam sentar a galera bagunceira por não entenderem que eles são os mais legais. Primeira aula: Geografia, com uma recapitulação do ano anterior.

Eu juro que não acho que seja burro. Então, como diabos eu estava tão enferrujado, meu Deus? Na aula, detalhes bobos como latitude e longitude me eram extremamente conhecidos, mas a minha capacidade de defini-los, essa, passou bem de longe. Matemática, Física, Química e qualquer coisa que se vale de números continuou sendo uma incógnita na minha cabeça.

Passei as três primeiras aulas calado e a agonia do "não falar" sempre me dá a idéia de que ninguém quer estar perto de mim. Aproveitei para olhar mais para a sala, esquecendo um pouco a adolescência e fazendo uma investigação jornalística. Completamente heterogênea, mesmo no pequeno universo dos seus 22 alunos, a turma possuía características que, ao mesmo tempo em que me remetiam ao meu tempo de estudante, eram novas.

Sem dúvida, a pessoa que mais chama atenção no instante inicial é o Yuri. Falante, muito falante, o garoto é amigo de todos e fala com todos, pergunta sempre e não pára quieto. Mesmo que você não o veja, irá perceber que ele está na sala. Foi dele a única desconfiança quanto à minha “identidade secreta”.

Depois meu olhar foi direto à uma garota: vestindo uma camisa do Che Guevara, despertando meu antigo lado socialista universitário, Alejandra entrou na sala atrasada e sorrindo, sentando perto de mim. O que posso dizer é que poucas vezes tinha visto um senso de humor tão fino quanto o dela e, caso os meus 23 anos fossem 17, com certeza ela ganharia um admirador secreto tipicamente adolescente.

Ela veio acompanhada da Luciana. Taí uma pessoa que não existia há seis anos, pelo menos não em meu mundo adolescente. Ruiva, com cinco tatuagens, aparência de quem sempre faz coisas mais interessantes do que você, ela era aquele modelo de menina que você pensa só pode existir na universidade, por sua aparência tão liberal. Sorte de quem é adolescente hoje, que não precisa esperar ser universitário para conhecer pessoas assim.

Foi delas que me aproximei no primeiro momento. No vai e vem das carteiras, sentaram próximas a mim e passamos o restante da aula entre uma conversa e outra. O primeiro dia foi o mais difícil, porque parecia que me descobririam a qualquer momento. Mas eu não percebia olhares estranhos, nem conversinhas com risadas olhando para mim. Não sabia se me assustava mais com isso, porque, na minha cabeça, era muito fácil de que percebessem que eu não deveria estar ali.

Nas minhas conversas com os meus amigos antes da matéria, ninguém acreditava que eu pudesse me passar por 18 anos. E, mesmo que não fosse minha intenção enganar ninguém, o texto só teria graça se eu realmente aparentasse ter menos idade. Aliás, bem menos idade. E deu certo. Correndo o risco de parecer bobo, tenho que admitir que foi como voltar no tempo.

Durante seis horas por dia eu tive cinco anos a menos, não só porque as pessoas que estavam perto de mim consideravam isso, mas porque eu me sentia assim. E eu sentia por sempre ter achado a adolescência a fase mais interessante da vida. Você é tudo e, ao mesmo tempo, não é nada, simplesmente porque ainda não se definiu por completo.

E nessa necessidade de se achar, a gente vai fazendo amigos. Não foi preciso mais que uma semana para eu perceber porque os adolescentes são mais felizes que os adultos. Não é porque eles não pagam contas ou não trabalham. Simplesmente quando se tem 17 anos você está bem mais aberto a conhecer gente nova.

Vá lá, claro que se procura aqueles que têm algo em comum com você, mas quando se acha, fica tudo fácil. Esse foi o meu caso com a turma do fundão: João Batista, Ivo e Pedro. Os três são o grupo que anima a sala de aula. E, claro, foi deles que eu quis me aproximar. Quem já assistiu ao filme “Nunca fui beijada”, sabe que a personagem de Drew Barrymore, Josie Geller, não teve uma high school muito popular.

Eu nunca fui nem um extremo nem outro. Não era o bobo da corte muito menos o rei da popularidade. O meio termo sempre me fez melhor porque eu não precisava me preocupar em ter professores na minha cola, já que eles percebiam que eu era bom de notas. No meu novo ensino médio, mandei essa coisa de ficar em cima do muro para longe.

A primeira vez em que eu sentei perto dessa turma foi quando o João Batista nos chamou, eu e o Pedro Henrique, mais um novato, para conversar com o pessoal na hora do intervalo. Na aula, fui me chegando e vendo que era ali que seria meu posto. O João é aquele cara que fala com todo mundo porque todo mundo parece querer falar com ele. Transita em todos os grupos, até mesmo nos de outras séries, é conhecido de todos os professores e é o comediante da turma, além de ser garoto propaganda da escola.

O Ivo é a prova de que sentar atrás da sala não quer dizer que você não seja inteligente. Sempre com respostas certas a dizer, o cara se garantia em todas as aulas, falando dos assuntos com propriedade, mesmo que estivesse lá na última carteira e conversasse comigo um bocado da aula.

O Pedro é o cara dos esportes. Tem sempre uma história mirabolante para contar, seja ela rocambolesca ou muito engraçada e pratica uma porrada de artes marciais, ou seja, não brinque com ele. Brincadeira: ele é super tranqüilo, mesmo que, do nada, ele possa te querer para treinar uns golpes.

Nesse mundinho chegou, rápida, a Layne. Novata (como eu), a gente logo se enturmou, não só por conversarmos facilmente, mas para unirmos forças, já que uma escola nova sempre é um local hostil. Ela era a parte feminina dessas pessoas com quem passei as aulas e das que mais me aproximei.

Fiquei perto deles a semana inteira, ao ponto de a diretora da escola, uma das duas pessoas que sabiam da minha história de verdade, ficar impressionada do quanto a gente se entrosou ao grupo. E, nesse entrosamento, não só com eles mas o que me fez olhar toda a sala, eu vi uma adolescência que se mostrou diferente da minha em pontos bem interessantes.

O primeiro de todos é a tolerância desse pessoal ao diferente. Ao contrário do que eu percebia quando jovem, essa geração parece ter maior capacidade em aceitar as diferenças, mesmo quando não as entende. Ao invés de, simplesmente, serem preconceituosos, eles tentam trabalhar com esses conceitos de certo e errado na cabeça, procurando um ponto em comum que possa justificar a aproximação daqueles que não são iguaizinhos ao que todo mundo acredita ser o correto.

Não precisei mudar minha forma de falar, nem escolher assuntos banais. Conversávamos sobre tudo e, eu que sempre fui de falar demais, ainda puxava temas sem sentido, para manter o papo, como quando falei a história verídica de um amigo que chama a namorada de “chegado”. No mais, eu via muitas semelhanças. Via muitos professores jovens que parecem que esqueceram que tinham aquela idade há pouco tempo e não entendem os adolescentes.

Percebi o quanto é difícil ser professor, tendo de, ao mesmo tempo, manter a autoridade, mas fazendo concessões, o que, diante de uma platéia com aquela idade, é complicado, já que todos parecem querer coisas diferentes. Porém, vi outros muitos que conseguem prender a atenção simplesmente mostrando o bom das suas disciplinas e, por várias vezes, não se ouvia nada na sala a não ser a voz do professor, não porque ele havia brigado, mas porque ele fazia seu assunto tornar-se interessante.

Claro, chegou a hora da revelação. Mesmo com toda a diversão de voltar no tempo, o cerco já estava se fechando e foi preciso por um fim à essa loucura toda. Escolhemos a sexta-feira, especificamente a última aula e, precedidos por um discurso da diretora sobre uma suposta experiência que a turma estava participando, levantei e me apresentei.

“Pessoal, meu nome, como vocês sabem, é Luis Rafael. Só que eu sou conhecido como Rafael, mais especificamente, Rafael Campos, repórter do Jornal Meio Norte e que passou com vocês essa semana fazendo uma matéria para o For Teens”. Boquiabertos diz pouco sobre a reação deles. O medo que eu tive era de que a idéia não fosse absorvida da forma que pensava.

Não estava ali para vigiar ninguém, tampouco dar lições de moral. A idéia sempre foi saber como um adulto, a tão famigerada fase que todos querem chegar só para sentir saudade do que passou, iria se comportar diante de um grupo de adolescentes. A lição que eu tirei é que pouca gente percebe o quanto a inconscequência da idade é importante.

Apesar de a maioria das pessoas sempre preocupar-se com a opinião alheia em qualquer idade, é na adolescência que a gente pensa menos nas consequência dos nossos atos. Não é que eu queira levantas bandeiras de que todo mundo deve “liberar geral”, longe disso. Mas é sempre bom se perceber adulto, com todas as responsabilidades que a palavra carrega, sem perder a idéia de que nos mantemos jovens quando nos preocupamos em fazermos o que nos faz bem.

Na música do grupo Alphaville, Forever Young, eles dizem querer ser eternamente jovens. Eu percebi que posso sê-lo, quando, na semana passada, eu voltei no tempo e vi que, muito mais que diferenças, eu mantenho semelhanças com todas aquelas pessoas que estudaram comigo. E, como não poderia deixar de ser, eu ganhei amigos, na velocidade típica de quem tem a vida inteira pela frente.

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