17 junho 2007

[e se eu acreditasse?]


Eu, realmente, não me dou bem com a fé católica. Sua doutrina de promover o sofrimento como forma de elevação de espírito sempre esbarrou na minha incontinência carpedieana, moldada à ferro durante toda a minha infância de temores ao tridente de satã.

Por isso, desde que soube que ia cobrir a Caminhada da Fraternidade, uma espécie de micareta do senhor que acontece há 12 anos (acho) em Teresina, fiquei com pé atrás. Como escrever sobre algo tão enraizadamente católico se ainda hoje o paradoxo da minha fé me impede de ser 100% livre?

O lance de imparcialidade é balela, já que a minha predisposição era de achar ruim, se não o evento o fato de ele louvar uma fé que me sufoca. Some isso à minha ressaca habitual pós-sábado e a minha completa ojeriza à necessidade de trabalhar-se no domingo e você percebe o quanto eu parecia feliz.

Mas... não sei se o clima fundindo a cuca ou a evaporação do álcool causando um efeito inverso, o fato é que eu comecei a ver que, muito mais que um simples ato de fé católica, a caminhada conseguia ter um viés mais ecumênico.

E dele, a capacidade de ir além das palavras sem sentido prático dos sermões aparecia e a gente começava a perceber a necessidade que muitas daquelas pessoas tinham de se dizer conectadas aos seus deuses por meio daquele esforço.

É mais que ser católico, evangélico ou qualquer coisa. A fé deles perpassa a explicação, que eles mesmos não buscam, em um ópio litúrgico que ao mesmo tempo em que me assustava me fascinava.

Eram mãos levantadas com olhos fechados, idosas bem idosas caminhando os 7.6km sem pestanejar, até jovens que pareciam realmente ter acordado na vontade estar ali. Fiquei pensando no quanto a gente precisa se apegar em algo para sentir uma verdade que não existe.

Sabe... não precisar perguntar-se "de onde eu vim?", "pra onde eu vou?", "tem lugar na janela?"... Simplesmente pegar a resposta feita e dividí-la por todas as dúvidas que venham a surgir além dela, maximizando o poder da fé como algo que transcende o acalento do pecador.

Porque a subjetividade do pecado é tão caleidoscópica que me dá muita raiva pensar que pequenas estripulias do meu irmão podem ser consideradas como tal e, com isso, criar nele uma dúvida que ele pode levar pra toda a vida.

Ou que meus desejos mais internos sejam considerados passagem sem volta pro lado do tinhoso, mesmo eu sabendo que não estou fazendo mal algum. Enfim... essa discussão é eterna.

Meu lamento era pensar no quanto essas pessoas não pensam (!). No quanto elas relegam poder total aos desígnios da fé, como se as montanhas removidas fossem verdadeiras e que a ressurreição é o que mais faz de Jesus um cara digno de levar a alcunha de salvador.

[Pausa para a digressão: por que não pensar que o seu Jesus era "o" cara mesmo pelas coisas que pregou e não pelo vinho que fez surgir? Palavra fica... bem mais que fazer alguém andar, o cara fazia muitos escutarem. Acho que a gente deve se ligar mais no homem e menos no deus]

"Triste é pensar demais. Não é dom, dádiva ou vocação. É castigo. É destempero. É morrer um pouco a cada dia por não ter lugar para repousar a alma", já diria uma sábia do norte.

Vai ver é isso. Para que pensar se eu posso fazer uma longa caminhada na qual eu ficarei mentalizando que tudo o que eu fiz de ruim (?) vai embora? Não pensar é ter fé que o mundo se azeita sozinho...


8 comentários:

maria clara disse...

eu penso exatamente a mesma coisa...
e repudio mesmo pessoas que acham que uma caminhada vai resolver sues problemas e apagar seus erros...

Lucy, disse...

Eu invejo quem têm fé.Para mim é uma das coisas mais difíceis de se obter...Agora eu tenho uma visão diferente da Caminhada da Fraternidade,uma coisa que eu aprendi no catolicismo de 15 anos em colégio de freira(hoje eu não me considero católica) foi solidariedade e fazer coisas boas por mais piegas e ingênuo que possa parecer.E eu agradeço por ter esse martírio emocional...por que a gente acaba esquecendo de muita coisa nesse egocentrismo carpediano...

photographie disse...

gostei do seu texto, você abriu mão de um julgamento purista para refletir sobre a questão. porque a coisa é complexa mesmo. e surpreende. o que mais me choca nisso tudo é a dimensão que a coisa tem. a quantidade de milhares de pessoas mergulhadas em transe em uma experiência comum e ao mesmo tempo com aspectos tão pessoais. não apenas o catolicismo. a religião toma dimensões surpreendentes pelo mundo todo, em sua diversidade. gostaria de fazer um ensaio (fotográfico) sobre isso, embora tema pra lá de batido. seria bem experiência pessoal com caráter antropológico. mas foi bem em uma dessas experimentações antropológicas que adentrei um terreiro de umbanda. e a maior surpresa de todas é que não saí mais de lá. e magia disso tudo não está mesmo em deuses. e talvez, nem mesmo na fé em seu estrito sentido. mas em uma necessidade pessoal (que permanecia oculta até então) que me leva toda semana para aquele mesmo terreiro. eu e mais milhares de pessoas. unidas (como em tantos outros lugares do mundo) em algo comum, e ao mesmo tempo tão particular.

Anônimo disse...

Rafa, mas e se, ao invés de caminhar os 7.6 km (com cara de 30 km) pensando nas coisas ruins que a gente fez, pensássemos nas coisas boas que acontecem na nossa vida, a sorte que a gente tem... mas, enfim, se todo mundo ali naquela caminhada se unisse por algo mais concreto, que mundo melhor a gente teria!! bjus amiguinho de caminhada! =P

Sanmya disse...

eu converso com vc pessoalmente

de perna pra cima, no seu quarto, escutando funny little frog
=p

Anônimo disse...

Meu Deeeussss!!

Tu percebi um ar milagroso nessa caminhada.

nhem nhem nheeemm


ta ficando catolico!!









tinha que ter um comentário idiota!
bjus

Anônimo disse...

Não consigo pensar em nada inovador para falar, sobre religião...

Nesse caso da caminhada, acho mais cômodo o registro fotográfico. Não preciso oferecer minhas palavras (filtradas pela minha opinião) para recompor o evento e assim informar, basta fazer o registro imagético. Não que seja um registro objetivo, por que isso, óbvio, é tão mito quanto a imparcialidade. Mas eu acho melhor e mais forte. Não vou entrar em detalhes..

Mas voltando à religião. Caminhada da Fraternidade oferece atrativos indispensáveis, cara: atividade física,com direito a vaga no céu, remoção de pecados e purificação da alma - além de fazer aquela ceninha com deus - quem não quer?

Não tem coisa mais irracional e cômoda que religião. Mas (in)felizmente ela é necessária para algumas pessoas...Ah, rafael. Esse assunto é longo e interminável...

Aline disse...

eu fui pra 1ª caminhada... quando ainda era uma coisa roots, underground, alternativa, meio indie.... kkkkkkkk... tinha tão pouca gente que eu até apareci na foto oficial que tá lá no pto de venda dos kits junto c as fotos das outras caminhadas!!