03 agosto 2007

[uma vida iluminada (?)]

[porque eu sei que ela não vai ser publicada na íntegra mesmo...]

Um dos maiores símbolos dos 155 de Teresina não intimida as caras e bocas de Savana Vogue. Agarrada à cruz da Igreja de São Benedito, o travesti sente-se uma estrela, posando para as lentes fotográficas, com empinadas dos seus 3l de silicone no bumbum, bicos e levantar de pernas.


A noite da capital aniversariante não é feita somente de horários para se voltar para casa ou perigos que rondam alguma esquina vazia. O centro de Teresina ainda consegue manter sua vida mesmo quando o sol vai embora e, como parte essencial dela, estão os travestis que fazem ponto nas diversas esquinas do bairro.


"Teresina é uma cidade ótima. O preconceito diminuiu e hoje você consegue ser mais respeitada por ser travesti. Antes, entrar em um ônibus era o fim, isso se o motorista parasse para você. Agora não existe mais esse problema e a gente consegue ser bem tratada em quase todos os lugares", diz Savana, que tem 35 anos e é travesti desde os 22.


A vida dessas "mulheres" é uma montanha russa. Sempre bem humoradas e soltando diversas gírias típicas delas, o mundo em que vivem os travestis do centro de Teresina é único, pontuado por histórias de todos os tons. "Eu já cheguei a fazer até oito programas em uma só noite. Mas isso só acontece quando a gente acha um bofe bem bonito porque aí você não cobra nada e ainda faz de tudo, porque a gente também precisa se divertir", afirma Savana.


O sonho da maioria delas é embarcar para a Europa e ganhar em euro pelos programas, para depois casarem-se com um senhor rico do Velho Mundo. Excetuando o marido rico, receber muitos euros é a meta de Dandara Bionda.


Aos 23 anos, o travesti é voluptuos(a) como as famosas mulatas do Carnaval carioca, só que em versão loira e, depois de passar uma temporada em São Paulo, está de malas prontas para embarcar para Barcelona, na Espanha. "Meu namorado é corretor de imóveis em São Paulo e é louco de ciúmes de mim", garante.


"Pus 700ml de silicone nos seios e 1l no bumbum, gastando R$ 6 mil com tudo. Meu cabelo é metade meu, metade aplique e as minhas roupas, bem, essas eu compro as primeiras que eu acho na loja que caibam em mim", diz, com uma indiferença nada típica de mulheres, quando todos sabem que elas demoram muito para escolher o que vestir. "Demoro mesmo é com a maquiagem, gasto muito com ela, mas tem que ficar bonita para os bofes", garante, rindo.


Quando perguntada se não pretende fazer uma cirurgia para a retirada do pênis, Dandara dá uma gargalhada. "Você é louco? Como você acha que eu vou ganhar meu dinheiro? Os homens querem mesmo é o que eu tenho entre as pernas", revela. Segundo os travestis, quase 100% dos homens que contratam seus serviços querem ser passivos durante o sexo.


E mesmo entre as mulheres de verdade elas fazem sucesso. Dandara fala que recebe muitas cantadas delas, principalmente de ditas heterossexuais. "A gente acaba sendo tudo o que elas querem, porque entendemos a alma feminina e ainda temos uma coisa para futucá-las", afirma, rindo.


Ser travesti não é ser homossexual, apenas. Mesmo que elas sintam-se atraídas por pessoas do mesmo sexo, o desejo se parecer com as mulheres, em relação às roupas e o comportamento social é que melhor os define. E, claro, não é uma opção e sim uma orientação sexual.


"Desde criança que eu queria me vestir de mulher, parecer com elas. Quando eu conheci a Dandara, disse para ela que queria me vestir de mulher. Ela me montou e disse: 'Vai, demônio'. Isso eu tinha 10 anos", garante Rebeca Lorraine que também faz ponto nas esquinas da praça João Luís Ferreira.


A mais espevitada, Rebeca diz que quando desfilou pela casa vestida de mulher apanhou demais dos irmãos. "Um deles é policial e me odeia", diz, sorrindo. Ela também é quem conta as histórias mais fortes entre as entrevistadas.


Fala que, uma vez, levada com uma amiga por um grupo de jovens ricos da zona leste da cidade, teve sua cabeça colocada dentro da piscina, em uma tentativa de afogá-la. "Por sorte, a outra que foi comigo conseguiu ligar para a polícia, mas eles não fizeram nada. Ainda bem que aqueles playboys nos pagaram", lembra.



Mesmo as histórias mais trágicas, ganham conotações engraçadas quando ditas por elas. A mais antiga entre as entrevistadas, com 20 anos de ponto, Dayane Bianca diz que, antigamente, os travestis sofriam muito. "Antes, existia a turma do Melecão, uns riquinhos que se juntavam para bater nos travestis. Isso não existe mais", fala.

Ela lembra que, em uma das primeiras vezes em que se montou, estava próximo a Igreja de São Benedito com amigas. "Do nada, uma delas avistou a turma do Melecão e gritou para que a gente corresse", recorda. Dayane saiu correndo e disse que, mesmo com seus 95 quilos à época, pulou os muros do mosteiro de São Benedito em um único salto. "Ia muito ficar para apanhar, ia?", diz.


Não, não ia. Aliás, não o foi e voltou a rua, como todas fazem todas as noites. Porque o centro de Teresina é mais característico na presença dos seus travestis. E, no seu aniversário, como a todos que formam essa cidade, ela agradece.


Gírias:

1. Aliban: policial

2. Aquenda: ficar com alguém ou prestar atenção

3. Dzar: sair fora

4. O doce: levar uma surra ou fazer algo de ruim

5. Aqué, lajan: dinheiro

6. Ocó, bofe: homem

7. Mavu: ladrão

8. Mapô, racha: mulher

9. Elza: roubo ou ladrão

10. Caé: azar

11. Gravação: sexo oral

12. Eque, baque: desculpa esfarrapada

13. Cleide: polícia

14. Quebrar a louça: sexo entre travestis

15. Bolha: camisinha

16. Buboque: nariz

17. Apeti: peito

18. Mocozar: esconder

19. Baquiosa: mentirosa

20. Gongada, triscada: HIV soropositivo

12 comentários:

Anônimo disse...

de vez em quando essa nossa profissão vale a pena, né não?

Anônimo disse...

ai que tudo, arrasou, bee. (porque às vezes eu acho que sou uma mulher travesti)
adorei o texto - e ainda sofro quando leio o que escreveste sobre o harry. buá!
beijo :)

Lucy, disse...

concordo com a clah :)
é para fazer esses textos que a gente levanta todo dia


;****

Flávio Meireles disse...

Rafael, tu sabe que eu não gosto de te elogiar porque tu já se imagina o próprio Flávio Meireles...

Mas confesso que esse foi o melhor dos teus textos que eu já li... Simplesmente lindo e perfeito...

Sanmya disse...

então

as vezes a gente tem a sensação de que tá no caminho certo...
eu sinto isso por vc

amo tu

lindo texto

O nome do blog é inspirado no filme "Bonequinha de Luxo" disse...

tu sabe que eu entrevistei a Savana também,né??? inclusive to preparando uma especial sobre travestis com o Diego Iglesias... =) Teresina é realmente mto pequena!!!

lineca disse...

esse, apesar de não ser pequeno, eu li. e ADOREI! rafa, não sabia que tu sabia escrever bem! então... acho que você tá no caminho certo, e tudo que eu posso te dizer é: VAI, DEMÔNIO! [e arrasa] :)

ps. eu lembro da turma do melecããão... eles faziam cavalo de pau na frente do jockey center!! kkkkk

Anônimo disse...

muito bom..

Anônimo disse...

Estava procurando uma foto no Google e acabei caindo no teu BLOG. Gostei bastante! Tanto do texto do Harry, quanto do texto das travas. O restante vou ler depois.

Vc manda bem no que faz ainda que por hobby.

Abração, Rafa.

rafamesquita@hotmail.com

Alícia Melo disse...

Arrasou Rafa. Muito bom.
=*

VALHA!!! disse...

Eu amo esse filme. Amo mesmo. Foi nele que meu amor pelo Gael se confirmou de vez. (L) Texto danado de bom, meu bixin! =))

=***

ana rita disse...

Parabéns mocinho! Belo texto sem preconceitos, nem pareceu que foi difícil fazer. Só acho que alguns momentos ficou meio confuso de que personagem que você estava falando, mas isso foi bem pequeno para a grandeza do texto. Como disse o pessoal acima, é por isso que a gente ainda sonha.